Em um momento de silêncio, minha mente é pega de surpresa por violentos pensamentos. Ágeis e implacáveis, eles sequestram o momento de calmaria e forçam-me a ponderar futuras realidades hipotéticas. Minha mente, fraca e sempre cooperativa com os vândalos, se põe a questionar várias linhas de pensamento, até que uma chama a atenção: “Estou sofrendo de uma grave doença, talvez um câncer. Ainda sou jovem, certamente com menos de 35 anos. Há chances de sobrevivência, mas os médicos estão desesperançosos. O que você faria?“.

Vejo-me calmo; não sou muito do desespero e da agitação. Componho a cena primeiro com diversos cenários de uma árvore de decisão. Qual é o meu estado de vida? Já estou casado? Já tenho filhos? Quantos filhos?

Pondero, então, algumas coisas de ordem prática. Se é um câncer, qual é e como será o tratamento? Provavelmente teria que cortar o cabelo. Seria uma boa oportunidade de doá-lo, na verdade. Será que teria que me afastar do trabalho? Será que eu teria tempo livre? Ou talvez esse tempo livre não servisse de nada, dado o desgaste e o cansaço. E a herança? Como fazer para que tenham acesso ao meu patrimônio, caso eu me vá?

Deslumbro, então, minha amada, que com certeza faria questão de estar ao meu lado todos os dias. Ela se preocupa mais do que eu. Ela chora todas as lágrimas que se recusam a cair dos meus olhos. Ela cuida de mim, e seu amor é sustento emocional abundante, mais do que suficiente.

Em um certo momento singular, toda a atenção difusa é concentrada em um único ponto: “O que você rezaria?“. A barreira dos pensamentos é quebrada, e um calafrio se espalha pelo corpo, enquanto os lábios se abrem e dizem:

Meu Senhor, eu entrego minha vida em Tuas mãos.
Se eu ainda puder crescer em santidade aqui nesta vida, lava-me e poupa-me.
Mas se este é o máximo que consigo, leva-me agora.
Eu quero continuar, mas não seja feita a minha vontade, mas a Tua.

Em um último respiro, os vândalos vão embora. E agora, a mente alerta se põe a meditar sobre o propósito de vida e os mistérios da fé. Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo.