Espécie
“Espécie” também se diz de diversos modos. Em sentido amplo, diz-se de toda forma, segundo a qual “a forma é por natureza digna de primazia”.
Mas chama-se espécie, de modo próprio, o que está sob um gênero enunciado — no sentido em que costumamos dizer que “homem” é espécie de “animal” (sendo “animal” o gênero), “branco” é espécie de “cor”, e “triângulo” é espécie de “figura”.
Todavia, se, ao definir gênero, fazemos menção à espécie dizendo que gênero é o que se predica de muitos diferentes em espécie, em resposta ao que a coisa é, e chamamos espécie aquilo que está sob o gênero definido, é preciso lembrar que, como o gênero é gênero de algo e a espécie é espécie de algo — cada qual em relação ao outro —, teremos necessariamente de empregar ambos nas definições de ambos.
Assim, definem espécie do seguinte modo: espécie é aquilo que está ordenado sob um gênero e do qual o gênero se predica em resposta ao que a coisa é; e ainda: espécie é o que se predica de muitos que diferem em número, em resposta ao que a coisa é.
Esta última explicação, porém, convém à espécie mais específica, que é apenas espécie e já não também gênero; as demais descrições caberão às que não são as mais específicas.
O que dissemos se torna claro do seguinte modo. Em cada categoria, há certas realidades “mais genéricas” e, novamente, outras “mais específicas”, e, entre o mais genérico e o mais específico, há outras que são chamadas ao mesmo tempo gêneros e espécies.
O “mais genérico” é aquilo acima do qual não pode haver outro gênero superior; o “mais específico”, aquilo abaixo do qual não pode haver outra espécie inferior.
Entre o mais genérico e o mais específico estão os entes que, relativamente a uns, dizem-se espécies e, relativamente a outros, dizem-se gêneros.
Tomemos uma única categoria como exemplo. “Substância” é um gênero; sob ela está “corpo”; sob “corpo”, “corpo animado”; sob este, “animal”; sob “animal”, “animal racional”; sob este, “homem”; sob “homem”, Sócrates, Platão e os homens particulares.
Dentre esses, “substância” é o mais genérico e é gênero somente; “homem” é o mais específico e é espécie somente.
Já “corpo” é espécie de “substância”, mas gênero de “corpo animado”; “corpo animado” é espécie de “corpo”, mas gênero de “animal”; “animal” é espécie de “corpo animado”, mas gênero de “animal racional”; “animal racional” é espécie de “animal”, mas gênero de “homem”; e “homem” é espécie de “animal racional”, não sendo já mais gênero de homens particulares, mas apenas espécie.
Tudo quanto está antes dos indivíduos e é predicado proximamente deles será apenas espécie e já não também gênero.
Assim, “substância”, estando no grau supremo, é o mais genérico por não haver gênero anterior a ela; e “homem”, sendo espécie após a qual não há outra espécie nem algo que se divida ainda em espécies, mas apenas indivíduos (chamo indivíduos Sócrates, Platão, Alcibíades e “este branco”), será espécie apenas, a espécie última, a mais específica.
Os termos intermediários, por sua vez, serão espécies do que lhes é anterior e gêneros do que lhes é posterior; têm, pois, duas condições: relativamente ao que lhes é anterior, dizem-se espécies; relativamente ao que lhes é posterior, dizem-se gêneros.
Os extremos, ao contrário, têm uma só condição: o mais genérico tem, sim, condição relativamente aos entes sob ele — por ser o supremo gênero de todos —, mas não relativamente aos que lhe seriam anteriores, por não haver nada acima dele; o mais específico tem uma condição relativamente aos entes anteriores (dos quais é espécie), mas não outra relativamente aos posteriores: diz-se espécie dos indivíduos (enquanto os contém) e espécie do que é anterior (enquanto por estes é contido).
Por isso, o gênero supremíssimo define-se como aquilo que, sendo gênero, não é espécie, e acima do qual não pode haver outro gênero superior; e a espécie mais específica, como aquilo que, sendo espécie, não é gênero, que, sendo espécie, já não pode dividir-se em espécies, e que é predicado de muitos que diferem em número, em resposta ao que a coisa é.
Os termos intermediários entre os extremos chamam-se “espécies e gêneros subalternos”, e admite-se que cada um deles seja espécie e gênero, embora referidos a coisas diferentes.
O que está antes da espécie mais específica, remontando até o mais genérico, chama-se “subalterno”. Assim, Agamêmnon é Atrida, Pelópida, Tantalida e, por fim, (filho) de Zeus; nas genealogias, costuma-se referir tudo a uma única origem, por exemplo, Zeus.
Não é assim, porém, com gêneros e espécies: “ente” não é o gênero comum de todas as coisas — nem, como diz Aristóteles, pertencem todas as coisas a um só gênero supremo.
Tomem-se antes os dez gêneros, como nas Categorias, como dez princípios primeiros: mesmo que alguém chame a todas as coisas “entes”, fá-lo-ia de modo equívoco, não sinônimo.
Pois, se “ente” fosse o único gênero comum de todas as coisas, todas seriam ditas “entes” de modo sinônimo; mas, sendo dez os princípios primeiros, a comunidade é apenas de nome, não também de definição.
Há, portanto, dez gêneros supremíssimos.
Quanto ao mais específico, admite-se que seja em certo número, não infinito; já os indivíduos que vêm depois do mais específico são infinitos.
Por isso, descendo do mais genérico ao mais específico, Platão exorta a deter-se aí; mas descer pelos intermediários, dividindo por diferenças específicas.
Quanto aos infinitos, deixa-os de lado, pois deles não há ciência.
Na descida ao mais específico, é preciso proceder por divisão, multiplicando; na subida ao mais genérico, é preciso recolher a multiplicidade à unidade: a espécie recolhe muitos numa só natureza, e o gênero, ainda mais; os particulares e singulares, ao contrário, sempre dividem o uno em muitos.
Pela participação da espécie, muitos homens tornam-se “um” homem; já nos particulares e singulares, o que é uno e comum torna-se muitos: o singular sempre divide, o comum reúne e reconduz ao uno.
Sendo o gênero um e as espécies muitas (pois o gênero sempre se divide em várias espécies), o gênero é sempre predicado das espécies, e todo superior, dos inferiores; mas a espécie não se predica de seu gênero próximo nem dos gêneros superiores, pois não há reciprocidade.
Ou predicam-se iguais de iguais — como “relinchar” de “cavalo” —, ou o maior do menor — como “animal” de “homem” —, mas não o menor do maior (não se pode dizer que “animal é homem”, como se diz que “homem é animal”).
Daquilo, porém, de que se predica a espécie, predicar-se-á necessariamente o gênero da espécie, e o gênero do gênero, até o mais genérico.
Se é verdade dizer “Sócrates é homem”, “homem é animal” e “animal é substância”, também é verdade dizer “Sócrates é animal” e “Sócrates é substância”.
Em suma: como o superior sempre se predica do inferior, a espécie predicar-se-á sempre do indivíduo; o gênero, tanto da espécie quanto do indivíduo; e o mais genérico, de todos os gêneros (se houver vários subalternos), das espécies e dos indivíduos.
O mais genérico predica-se, pois, de todos os gêneros, espécies e indivíduos que estão sob ele; o gênero imediatamente anterior à espécie mais específica predica-se de todas as espécies mais específicas e de seus indivíduos; o que é apenas espécie predica-se de todos os seus indivíduos; o indivíduo, de um único particular apenas.
Chama-se “indivíduo” a “Sócrates”, a “este branco”, a “este homem que se aproxima, filho de Sofronisco” (se Sofronisco tem um só filho, Sócrates), e semelhantes. Dizem-se tais coisas “indivíduos” porque cada uma consiste numa combinação de propriedades que jamais será a mesma em outro: as propriedades de Sócrates nunca serão as mesmas em qualquer outra pessoa particular; já as propriedades do homem enquanto comum podem ser as mesmas em muitos, ou melhor, em todos os homens particulares enquanto são homens.
Por isso, o indivíduo está contido na espécie, e a espécie, no gênero. O gênero é um certo todo; o indivíduo é parte; a espécie é ao mesmo tempo todo e parte — parte de outra coisa, mas todo não de outra, e sim “em outras”, pois o todo está em suas partes.
Mostramos, portanto, o que sejam gênero e espécie, o que é o mais genérico e o mais específico, quais coisas são ao mesmo tempo gêneros e espécies, o que sejam indivíduos e de quantos modos se tomam “gênero” e “espécie”.