Traduzido a partir de: https://www.tertullian.org/fathers/porphyry_isagogue_02_translation.htm
Gênero
Nem “gênero” nem “espécie” parecem ter um único sentido.
Chama-se gênero, em primeiro lugar, (1) a um conjunto de certas coisas que subsistem de algum modo em relação a uma só e entre si. É nessa acepção que a raça dos Heráclidas é dita um gênero, por causa da relação de descendência a partir de um só — digo, Hércules — e por causa da multidão dos que, a partir dele, estão entre si aparentados, sendo assim denominados em distinção e separação de outros gêneros.
Em outro sentido, (2) chama-se gênero o princípio da geração de cada um, seja a partir do gerador, seja do lugar em que alguém foi gerado. Por isso dizemos que Orestes tem o seu gênero a partir de Tântalo, Hilo a partir de Hércules; e ainda, que Píndaro é, por gênero, tebano, e Platão, ateniense — pois a pátria é, à sua maneira, um certo princípio da geração de cada homem, assim como o pai.
Esse significado parece ser o mais imediato: são chamados Heráclidas os que tiram sua origem do gênero de Hércules, e Cecropídeos os que provêm de Cécrope, bem como seus parentes próximos.
Primeiramente, pois, dá-se o nome de gênero ao princípio da geração de cada um; depois, ao número daqueles que provêm de um único princípio — por exemplo, de Hércules — e, distinguindo e separando-os dos demais, chamamos de gênero dos Heráclidas a totalidade desse agrupamento.
Por fim, num terceiro sentido, (3) denomina-se gênero aquilo sob o qual a espécie está subordinada — sentido talvez assim chamado por semelhança com os anteriores; com efeito, tal gênero é, de certo modo, um princípio das coisas que estão sob ele e parece também abranger em si toda a multidão subordinada.
Sendo “gênero”, então, dito de três maneiras, a consideração dos filósofos recai sobre a terceira, que também explicam por uma definição: gênero é aquilo que é predicado de muitas coisas diferentes em espécie, em resposta ao que a coisa é, como, por exemplo, “animal”.
Com efeito, entre os predicados, alguns dizem respeito a uma única coisa, como os individuais — “Sócrates”, “este homem”, “este objeto” —, ao passo que outros se dizem de muitos em comum, como gêneros, espécies, diferenças, propriedades e acidentes, e não pertencem de modo próprio a apenas um.
Assim: gênero, como “animal”; espécie, como “homem”; diferença, como “racional”; propriedade, como “risível”; acidente, como “branco”, “preto”, “estar sentado”.
Ora, os gêneros diferem dos termos que se predicam de uma só coisa por serem ditos de muitas; e diferem, por outro lado, das espécies e das propriedades que também se predicam de muitos, porque as espécies se predicam de muitos que não diferem em espécie, mas apenas em número.
Com efeito, “homem”, enquanto espécie, é predicado de Sócrates e de Platão, que não diferem entre si em espécie, mas em número; ao passo que “animal”, enquanto gênero, é predicado de “homem”, “boi” e “cavalo”, que diferem entre si em espécie, e não apenas em número.
Além disso, o gênero difere da propriedade porque a propriedade é predicada de uma única espécie, à qual é própria, e dos indivíduos sob essa espécie — por exemplo, “risível” apenas do homem e dos homens em particular —, ao passo que o gênero não se predica de uma só espécie, mas de muitas que também diferem entre si em espécie.
Ademais, o gênero difere tanto da diferença quanto dos acidentes comuns. Embora diferenças e acidentes comuns se predique de muitas coisas diferentes em espécie, não o fazem em resposta ao que a coisa é, mas ao que ela é quanto ao modo ou à qualidade.
Com efeito, quando alguns perguntam o que é aquilo de que tais predicados se dizem, respondemos que é o gênero; não damos, porém, diferenças e acidentes como resposta, pois não se predicam do sujeito quanto ao que ele é, mas quanto a que tipo de coisa é.
À pergunta “que tipo de coisa é o homem?”, dizemos: “racional”; e à pergunta “que tipo de coisa é um corvo?”, dizemos: “preto”. Ora, “racional” é diferença; “preto” é acidente.
Quando, porém, se pergunta “o que é o homem?”, respondemos: “animal”; e “animal” é o gênero de “homem”.
Logo, do fato de o gênero ser predicado de muitos, ele se distingue dos individuais, que se predicam de um só; por ser predicado de coisas que diferem em espécie, distingue-se do que se predica como espécie ou como propriedade; e, por se predicar essencialmente — isto é, em resposta ao que a coisa é —, distingue-se das diferenças e dos acidentes comuns, que se predicam não essencialmente, mas quanto ao modo ou à qualidade.
A descrição, portanto, do conceito de gênero, assim enunciada, nada tem de supérfluo nem de deficiente.