Resumo

Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material, e isso é bom pois Deus criou o apetite dessa busca na mente humana e a vocação da vida de estudos é um caminho para Deus, para qual algumas pessoas são chamadas para, e portanto, é um dever delas.

Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se à cultura frente às questões eternas (o que é), é justificável dedicar-se à cultura frente a graves questões temporais.

As graves questões temporais não são uma anormalidade, só tornam explícitas as verdades de que o mundo material não pode ser transformado para satisfazer a alma humana.

Texto

Uma universidade é uma sociedade para a busca do aprendizado. Como estudantes, espera-se que vocês se transformem, ou comecem a se transformar, naquilo que a Idade Média chamava de eruditos: filósofos, cientistas, estudiosos, críticos ou historiadores. E, à primeira vista, isso parece ser algo estranho de se fazer durante uma grande guerra. Qual é a utilidade de começar uma tarefa que temos tão pouca chance de terminar? Ou, mesmo que nós mesmos não sejamos interrompidos pela morte ou pelo serviço militar, por que deveríamos - na verdade, como poderíamos - continuar a nos interessar por essas ocupações pacatas quando as vidas de nossos amigos e as liberdades da Europa estão em jogo? Será que não é como tocar harpa enquanto Roma está queimando? 1

Parece-me que não seremos capazes de responder a essas perguntas até que as coloquemos ao lado de outras perguntas que todo cristão deveria ter feito a si mesmo em tempos de paz. Falei há pouco sobre estar tocando harpa enquanto Roma arde. Mas para um cristão, a verdadeira tragédia de Nero não deve ser o fato de ele ter tocado harpa enquanto a cidade estava pegando fogo, mas o fato de ter tocado harpa à beira do inferno. Vocês precisam me perdoar por esta palavra grosseira. Sei que muitos cristãos mais sábios e melhores do que eu, nestes dias, não gostam de mencionar o céu e o inferno nem mesmo do púlpito. Sei, também, que quase todas as referências a esse assunto no Novo Testamento vêm de uma única fonte. Mas essa fonte é o próprio Nosso Senhor. As pessoas lhe dirão que é São Paulo, mas isso não é verdade. Essas doutrinas esmagadoras são do Senhor. De fato, elas não são removíveis do ensinamento de Cristo ou de Sua Igreja. Se não acreditarmos nelas, nossa presença nesta igreja será uma grande bobagem. Se acreditarmos, devemos, em algum momento, superar nosso pudor espiritual e mencioná-las. 2

No momento em que fizermos isso, poderemos ver que todo cristão que chega a uma universidade deve sempre enfrentar uma questão em comparação com a qual as questões levantadas pela guerra são relativamente sem importância. Ele deve se perguntar como é correto, ou mesmo psicologicamente possível, que criaturas que estão a cada momento avançando para o céu ou para o inferno gastem qualquer fração do pouco tempo que lhes é concedido neste mundo em com coisas, em comparação, triviais como literatura ou arte, matemática ou biologia. Se a cultura humana pode resistir a isso, ela pode resistir a qualquer coisa. Admitir que podemos manter nosso interesse em aprender sob a sombra dessas questões eternas, mas não sob a sombra de uma guerra européia, seria admitir que nossos ouvidos estão fechados para a voz da razão e muito abertos para a voz de nossos nervos e de nossas emoções coletivas. 3 4

De fato, esse é o caso da maioria de nós; certamente é o meu caso. Por esse motivo, acho importante tentar ver a calamidade atual de uma perspectiva verdadeira. A guerra não cria nenhuma situação absolutamente nova; ela simplesmente agrava a situação humana permanente, de modo que não podemos mais ignorá-la. A vida humana sempre foi vivida à beira de um precipício. A cultura humana sempre teve de existir sob a sombra de algo infinitamente mais importante do que ela própria. Se os homens tivessem adiado a busca pelo conhecimento e pela beleza até que estivessem seguros, a busca nunca teria começado. Estamos enganados quando comparamos a guerra com a “vida normal”. A vida nunca foi normal. Até mesmo os períodos que consideramos mais tranqüilos, como o século XIX, revelam-se, em uma inspeção mais minuciosa, repletos de crises, alarmes, dificuldades e emergências. Nunca faltaram razões plausíveis para adiar todas as atividades meramente culturais até que algum perigo iminente fosse evitado ou alguma injustiça gritante fosse corrigida. Mas a humanidade há muito tempo optou por negligenciar essas razões plausíveis. Eles queriam conhecimento e beleza agora, e não esperariam pelo momento adequado que nunca chega. A Atenas de Péricles nos deixa não apenas o Parthenon, mas, significativamente, o Discurso Fúnebre. Os insetos escolheram uma linha diferente: eles buscaram primeiro o bem-estar material e a segurança da colméia e, presumivelmente, têm sua recompensa. Os homens são diferentes. Eles propõem teoremas matemáticos em cidades sitiadas, conduzem discussões metafísicas em celas de condenados, fazem piadas em cadafalsos, discutem o último novo poema enquanto avançam para as muralhas de Quebec e penteiam os cabelos nas Termópilas. Isso não é petulância; é a nossa natureza. 56

Mas como somos criaturas decaídas, o fato de essa ser nossa natureza não provaria, por si só, que ela é racional ou correta. Temos que perguntar se há realmente algum lugar legítimo para as atividades do estudioso em um mundo como este. Ou seja, temos sempre que responder à pergunta: “Como você pode ser tão frívolo e egoísta a ponto de pensar em qualquer coisa que não seja a salvação das almas humanas?” e temos, no momento, que responder à pergunta adicional: “Como você pode ser tão frívolo e egoísta a ponto de pensar em qualquer coisa que não seja a guerra?” Agora, parte de nossa resposta será a mesma para ambas as perguntas. Uma implica que nossa vida pode e deve se tornar exclusiva e explicitamente religiosa; a outra, que ela pode e deve se tornar exclusivamente patriótica. Acredito que toda a nossa vida pode, e de fato deve, tornar-se religiosa em um sentido que será explicado mais adiante. Mas se o que se quer dizer é que todas as nossas atividades devem ser do tipo que pode ser reconhecido como “sagradas” em oposição a “seculares”, então eu daria uma única resposta a ambos os meus agressores imaginários. Eu diria: “Quer deva acontecer ou não, o que você está recomendando não vai acontecer”. Antes de me tornar cristão, acho que não tinha plena consciência de que a vida de uma pessoa, após a conversão, consistiria inevitavelmente em fazer a maioria das mesmas coisas que fazia antes; espera-se que em um novo espírito, mas ainda as mesmas coisas. Antes de ir para a última guerra, eu certamente esperava que minha vida nas trincheiras fosse, em algum sentido misterioso, só sobre a guerra. Na verdade, descobri que, quanto mais perto da linha de frente, menos todos falavam e pensavam na causa aliada e no progresso da campanha; e fico feliz em descobrir que Tolstói, no maior livro de guerra já escrito, registra a mesma coisa - assim como, à sua maneira, a Ilíada. Nem a conversão nem o alistamento no exército vão de fato obliterar nossa vida humana. Cristãos e soldados continuam sendo homens; a idéia que o infiel tem de uma vida religiosa e a idéia que o civil tem do serviço militar são fantasiosas. Se você tentasse, em ambos os casos, suspender toda a sua atividade intelectual e estética, só conseguiria obter uma uma vida cultural pior em vez de uma melhor. Na verdade, você não vai ficar sem ler nada, seja na Igreja ou na linha de frente: se não ler bons livros, lerá livros ruins. Se você não continuar pensando racionalmente, pensará irracionalmente. Se você rejeitar as satisfações estéticas, cairá nas satisfações sensuais. 78

Portanto, há uma analogia entre as reivindicações de nossa religião e as reivindicações da guerra: nenhuma delas, para a maioria de nós, simplesmente cancelará ou removerá do quadro a vida meramente humana que levávamos antes de entrarmos nelas. Mas elas funcionarão dessa forma por motivos diferentes. A guerra não conseguirá absorver toda a nossa atenção porque é um objeto finito e, portanto, intrinsecamente inadequado para suportar toda a atenção de uma alma humana. Para evitar mal- entendidos, preciso fazer algumas distinções. Acredito que nossa causa seja, no que diz respeito às causas humanas, muito justa e, portanto, acredito que seja um dever participar desta guerra. E todo dever é um dever religioso, e nossa obrigação de cumprir cada dever é, portanto, absoluta. Assim, podemos ter o dever de resgatar um homem que está se afogando e, talvez, se vivermos em uma costa perigosa, aprender a salvar vidas para estarmos prontos para qualquer homem que esteja se afogando quando isso acontecer. Pode ser nosso dever perder nossas próprias vidas para salvá-lo. Mas se alguém se dedicasse ao salvamento de vidas no sentido de dar total atenção a isso - de modo que não pensasse e falasse em mais nada e exigisse a interrupção de todas as outras atividades humanas até que todos tivessem aprendido a nadar - seria um monomaníaco. O resgate de homens que estão se afogando é, portanto, um dever pelo qual vale a pena morrer, mas não pelo qual vale a pena viver. Parece-me que todos os deveres políticos (entre os quais incluo os deveres militares) são desse tipo. Um homem pode ter que morrer por nosso país, mas nenhum homem deve, em qualquer sentido exclusivo, viver por seu país. Aquele que se entrega sem reservas às reivindicações temporais de uma nação, de um partido ou de uma classe está entregando a César aquilo que, de todas as coisas, pertence mais enfaticamente a Deus: a si próprio. 910

É por uma razão muito diferente que a religião não pode ocupar toda a vida no sentido de excluir todas as nossas atividades naturais. Pois, é claro, em algum sentido, ela deve ocupar toda a vida. Não se trata de um toma-lá-dá-cá entre as reivindicações de Deus e as reivindicações da cultura, da política ou de qualquer outra coisa. A reivindicação de Deus é infinita e inexorável. Você pode recusá-la ou pode começar a tentar cumpri-la. Não há meio termo. No entanto, apesar disso, está claro que o cristianismo não exclui nenhuma das atividades humanas comuns. São Paulo diz às pessoas para continuarem com seus trabalhos. Ele até assume que os cristãos podem ir a jantares e, além disso, a jantares oferecidos por pagãos. Nosso Senhor comparece a um casamento e fornece vinho milagroso. Sob a égide de Sua Igreja, e nas eras mais cristãs, o aprendizado e as artes florescem. A solução desse paradoxo é, obviamente, bem conhecida por você. “Quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus.” 11 12

Todas as nossas atividades meramente naturais serão aceitas, se forem oferecidas a Deus, mesmo as mais humildes; e todas elas, mesmo as mais nobres, serão pecaminosas se não forem. O cristianismo não simplesmente substitui nossa vida natural por uma nova; ele é, antes, uma nova organização que explora, para seus próprios fins sobrenaturais, esses materiais naturais. Sem dúvida, em uma determinada situação, ele exige a renúncia de algumas, ou de todas, as nossas buscas meramente humanas; é melhor ser salvo com um olho do que, tendo dois, ser lançado na Geena. Mas ele faz isso, em certo sentido, per accidens - porque, nessas circunstâncias especiais, deixou de ser possível praticar essa ou aquela atividade para a glória de Deus. Não há nenhuma disputa essencial entre a vida espiritual e as atividades humanas como tais. Assim, a onipresença da obediência a Deus na vida de um cristão é, de certa forma, análoga à onipresença de Deus no espaço. Deus não preenche o espaço como um corpo o preenche, no sentido de que partes Dele estão em diferentes partes do espaço, excluindo outros objetos delas. No entanto, Ele está em toda parte - totalmente presente em cada ponto do espaço - de acordo com os bons teólogos. 13 14

Agora estamos em condições de responder à opinião de que a cultura humana é uma frivolidade indesculpável por parte de criaturas carregadas de responsabilidades tão terríveis como nós. Rejeito imediatamente a idéia que persiste na mente de algumas pessoas modernas de que as atividades culturais são, por si só, espirituais e meritórias - como se estudiosos e poetas fossem intrinsecamente mais agradáveis a Deus do que catadores de lixo e engraxates. Acho que foi Matthew Arnold quem primeiro usou a palavra inglesa spiritual no sentido da alemã geistlich, inaugurando assim esse erro perigosíssimo e muito anticristão. Vamos erradicá-lo para sempre de nossas mentes. O trabalho de um Beethoven e o trabalho de uma faxineira tornam-se espirituais exatamente na mesma condição, a de serem oferecidos a Deus, de serem feitos humildemente “como ao Senhor”. Isso não significa, é claro, que seja irrelevante se alguém deveria varrer quartos ou compor sinfonias. Uma toupeira deve cavar para a glória de Deus e um galo deve cantar para a glória de Deus. Somos membros de um só corpo, mas membros diferenciados, cada um com sua própria vocação. A educação de um homem, seus talentos, suas circunstâncias, geralmente são um provável índicador de sua vocação. Se nossos pais nos mandaram para Oxford, se nosso país permite que permaneçamos lá, isso é uma evidência prima facie de que a vida que, em todo caso, melhor podemos levar para a glória de Deus no momento é a vida de estudos. Ao levar essa vida para a glória de Deus, não me refiro, é claro, a nenhuma tentativa de fazer com que nossas investigações intelectuais cheguem a conclusões edificantes. Isso seria, como diz Bacon, oferecer ao autor da verdade o sacrifício impuro de uma mentira. Refiro-me à busca do conhecimento e da beleza, em certo sentido, por si mesmos, mas em um sentido que não exclui que o conhecimento e a beleza sejam por causa de Deus. O apetite por essas coisas existe na mente humana, e Deus não faz nenhum apetite em vão. Portanto, podemos buscar o conhecimento como tal e a beleza como tal, com a certeza de que, ao fazê-lo, estamos avançando para a visão de Deus ou ajudando indiretamente outras pessoas a fazê-lo. A humildade, não menos que o apetite, nos incentiva a nos concentrarmos simplesmente no conhecimento ou na beleza, sem nos preocuparmos muito com sua relevância final para a visão de Deus. Essa relevância pode não ser destinada a nós, mas a pessoas melhores que nós - para os homens que vierem depois e descobrirem o significado espiritual do que escavamos em obediência cega e humilde à nossa vocação. Este é o argumento teleológico de que a existência do impulso e da faculdade prova que eles devem ter uma função adequada no esquema de Deus - o argumento pelo qual Tomás de Aquino prova que a sexualidade teria existido mesmo sem a Queda. A solidez do argumento, no que diz respeito à cultura, é comprovada pela experiência. A vida intelectual não é o único caminho para Deus, nem o mais seguro, mas descobrimos que é um caminho, e pode ser o caminho indicado para nós. É claro que será assim somente se mantivermos o impulso puro e desinteressado. Essa é a grande dificuldade. Como diz o autor da Theologia Germanica, podemos vir a amar o conhecimento - o nosso conhecimento - mais do que a coisa conhecida: deleitar-nos não no exercício de nossos talentos, mas no fato de que eles são nossos, ou mesmo na reputação que eles nos trazem. Todo sucesso na vida do estudioso aumenta esse perigo. Se ele se tornar irresistível, ele deve desistir de seu trabalho intelectual. Chegou a hora de arrancar o olho direito. 1516 17

Essa é a natureza essencial da vida de estudos, a meu ver. Mas ela tem valores indiretos que são especialmente importantes hoje em dia. Se o mundo todo fosse cristão, talvez não importasse se o mundo todo fosse inculto. Mas, do jeito que está, uma vida cultural existirá fora da Igreja, quer exista dentro dela ou não. Ser ignorante e simples agora - não ser capaz de enfrentar os inimigos em seu próprio terreno - seria jogar nossas armas no chão e trair nossos irmãos sem instrução que, sob a égide de Deus, não têm outra defesa senão nós contra os ataques intelectuais dos pagãos. A boa filosofia deve existir, se não for por outra razão, porque a filosofia ruim precisa ser combatida. O bom intelecto deve trabalhar não apenas contra o bom intelecto do outro lado, mas também contra os misticismos pagãos obscuros que negam totalmente o intelecto. Acima de tudo, talvez, precisamos de um conhecimento íntimo do passado. Não que o passado tenha algo de mágico, mas porque não podemos estudar o futuro e, ainda assim, precisamos de algo para confrontar com o presente, para nos lembrar de que as suposições básicas foram bem diferentes em diferentes períodos e que muito do que parece certo para os incultos é apenas uma moda temporária. Um homem que viveu em muitos lugares provavelmente não se deixará enganar pelos erros locais de sua cidade natal; o estudioso viveu em muitas épocas e, portanto, está, de certa forma, imune à grande catarata de absurdos que jorra da imprensa e do microfone de sua própria época. 18 19

A vida de estudos é, então, para alguns, um dever. No momento, parece que é seu dever. Estou bem ciente de que pode parecer uma discrepância quase cômica entre as questões importantes que estamos analisando e o assunto imediato com que você pode ter que lidar, como boas leis anglo- saxônicas ou fórmulas químicas. Mas há um choque semelhante nos aguardando em todas as vocações - um jovem padre se vê envolvido enas questões do coro e um jovem subalterno na contabilidade de potes de geléia. É bom que seja assim. Isso elimina os vaidosos e voláteis e mantém os humildes e fortes. Com esse tipo de dificuldade, não precisamos nos preocupar. Mas a dificuldade peculiar imposta a você pela guerra é outra questão, e sobre ela eu repetiria novamente o que venho dizendo, de uma forma ou de outra, desde que comecei - não deixe que seus nervos e emoções o levem a pensar que sua situação é mais anormal do que realmente é. Talvez seja útil mencionar os três exercícios mentais que podem servir de defesa contra os três inimigos que a guerra levanta contra o estudioso. 20

O primeiro inimigo é a empolgação - a tendência de sentir e pensar sobre a guerra quando pretendíamos pensar em nosso trabalho. A melhor defesa é reconhecer que, nesse aspecto, como em todos os outros, a guerra não criou um novo inimigo, mas apenas agravou um antigo. Sempre há muitos rivais em nosso trabalho. Estamos sempre nos apaixonando ou brigando, procurando emprego ou temendo perdê-lo, adoecendo e nos recuperando, acompanhando os assuntos públicos. Se nos permitirmos, estaremos sempre esperando que uma ou outra distração termine antes de podermos realmente nos dedicar ao nosso trabalho. As únicas pessoas que alcançam grandes resultados são aquelas que desejam tanto o conhecimento que o buscam enquanto as condições ainda são desfavoráveis. As condições favoráveis nunca chegam. Há, é claro, momentos em que a pressão da empolgação é tão grande que somente um autocontrole sobre-humano poderia resistir a ela. Eles ocorrem tanto na guerra quanto na paz. Devemos fazer o melhor que pudermos.

O segundo inimigo é a frustração - a sensação de que não teremos tempo para terminar. Se eu lhe disser que ninguém tem tempo para terminar, que a vida humana mais longa deixa um homem, em qualquer ramo de aprendizado, um iniciante, parecerei estar dizendo algo bastante acadêmico e teórico. Vocês ficariam surpresos se soubessem quão cedo começamos a sentir a falta de tempo; de quantas coisas, mesmo na meia-idade, temos de dizer “Não há tempo para isso”, ‘Agora é tarde demais’ e ‘Não é para mim’. Mas a própria Natureza o proíbe de compartilhar essa experiência. Uma atitude mais cristã, que pode ser alcançada em qualquer idade, é a de deixar o futuro nas mãos de Deus. É melhor assim, pois Deus certamente o reterá, quer o deixemos nas mãos Dele ou não. Nunca, na paz ou na guerra, vincule sua virtude ou sua felicidade ao futuro. O trabalho feliz é melhor realizado pelo homem que não leva em conta seus planos de longo prazo e trabalha de momento a momento “como para o Senhor”. É apenas o pão nosso de cada dia que somos incentivados a pedir. O presente é o único momento em que qualquer dever pode ser cumprido ou qualquer graça recebida.

O terceiro inimigo é o medo. A guerra nos ameaça com a morte e a dor. Nenhum homem - e especialmente nenhum cristão que se lembre do Getsêmani - precisa tentar alcançar uma indiferença estóica em relação a essas coisas, mas podemos nos proteger contra as ilusões da imaginação. Pensamos nas ruas de Varsóvia e contrastamos as mortes sofridas lá com uma abstração chamada Vida. Mas não há questão de morte ou vida para nenhum de nós, apenas uma questão desta ou daquela morte - de uma bala de metralhadora agora ou de um câncer quarenta anos depois. O que a guerra faz com a morte? Certamente não a torna mais frequente; 100% de nós morremos, e essa porcentagem não pode ser aumentada. A guerra antecipa várias mortes, mas não creio que seja isso o que tememos. Certamente, quando o momento chegar, não fará muita diferença quantos anos temos atrás de nós. A guerra aumenta nossas chances de uma morte dolorosa? Duvido. Até onde sei, o que chamamos de morte natural geralmente é precedido de sofrimento, e um campo de batalha é um dos poucos lugares em que se tem uma expectativa razoável de morrer sem dor alguma. Será que a guerra diminui nossas chances de morrer em paz com Deus? Não acredito nisso. Se o serviço militar não persuade um homem a se preparar para a morte, que outra série concebível de circunstâncias faria isso? No entanto, a guerra faz algo com a morte. Ela nos força a lembrar dela. A única razão pela qual o câncer aos sessenta anos ou a paralisia aos setenta e cinco não nos incomodam é que nós os esquecemos. A guerra torna a morte real para nós, e isso teria sido considerado uma de suas bênçãos pela maioria dos grandes cristãos do passado. Eles achavam que era bom estarmos sempre cientes de nossa mortalidade. Estou inclinado a pensar que eles estavam certos. Toda a vida animal em nós, todos os esquemas de felicidade que se centravam neste mundo, sempre estiveram condenados a uma frustração final. Em tempos normais, somente um homem sábio pode perceber isso. Agora, o mais estúpido de nós sabe. Vemos inequivocamente o tipo de universo em que sempre estivemos vivendo e precisamos nos conformar com isso. Se tínhamos esperanças tolas e não cristãs sobre a cultura humana, elas agora se desfizeram. Se pensávamos que estávamos construindo um céu na Terra, se procurávamos algo que transformasse o mundo atual de um lugar de peregrinação em uma cidade permanente que satisfizesse a alma do homem, perdemos essas ilusões, e já não era sem tempo. Mas se pensamos que, para algumas almas, e em alguns momentos, a vida de estudos, humildemente oferecida a Deus, foi, em seu pequeno próprio modo, uma das abordagens indicadas para a realidade Divina e a beleza Divina que esperamos desfrutar no futuro, ainda podemos pensar desse modo.

Footnotes

  1. O sermão é direcionado a pessoas intelectuais, que buscam o aprendizado. Porém, parece haver dois pontos a serem resolvidos: qual a utilidade do estudo se não será possível termina-lo e como podemos focar nos estudos se há algo muito mais importante e urgente acontecendo (como uma guerra)

  2. Ele estabelece uma primazia do espiritual sobre o material: o problema de Nero não seria tocar harpa enquanto Roma está queimando, mas sim enquanto ele mesmo está a beira do inferno. Para o Cristão, é essa a verdadeira tragédia, já que o ensinamento sobre o Inferno vem diretamente de Cristo.

  3. As questões eternas de céu e inferno são muito maiores do que qualquer questão temporal, portanto se é possível dedicar-se a questões de tamanho relativamente triviais às questões eternas (i.e. a cultura, e.g. a literatura ou a matemática), é possível continuar a dedicar-se a elas durante tempos difíceis temporalmente como a guerra. Pensar diferente seria ouvir mais às emoções do que à razão.

  4. Resumo geral até o momento: Se é possível reconciliar dedicar-se a cultura em face das questões eternas (céu e inferno), é possível continuar se dedicando a cultura em tempos de guerra.

  5. A condição humana sempre foi repleta de crises e perigos, mas os humanos nunca adiaram a busca do conhecimento e da beleza. Se tivessem esperado um certo bem-estar material, nunca teríamos começado. É parte da natureza humana estas buscas em meio à questões mais importantes.

  6. R: Os humanos sempre conciliaram a produção de cultura frente a instabilidades materiais. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é possível dedicar-se a cultura em tempos de relativa estabilidade material, é possível dedicar-se a cultura em tempos de relativa instabilidade material.

  7. Por causa da natureza caída dos seres humanos, não é suficiente declarar que alguma coisa “é” parte da nossa natureza humana, é preciso mostrar que “deveria” ser assim, que é racional ou correta. Porém, quer deva acontecer ou não, irá acontecer. Não é possível dedicar-se totalmente à vida espiritual (de modo estrito) ou à guerra. O que irá acontecer é que a boa cultura será trocada pela má cultura. A vida cristã pós-conversão ainda consiste em fazer grande parte das mesmas coisas que se fazia pré-conversão.

  8. R: Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, é justificável dedicar-se a cultura em tempos de crise.

  9. Há obrigações e deveres temporais que precisam ser cumpridos e que podem levar a morte (como o resgate de um homem que está afogando), mas não são questões que vale a pena viver exclusivamente para elas. Aquele que se entrega sem reservas a reivindicações temporais está entregando algo que pertence a Deus: a si próprio.

  10. R: Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material, e isso é bom pois eles não devem viver exclusivamente para reivindicações temporais. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, é justificável dedicar-se a cultura em tempos de crise.

  11. A religião não pode excluir as atividades naturais por um outro motivo, já que Deus é algo infinito que supre os desejos da alma humana e é algo que vale a pena viver por. Porém, o cristianismo não exclui as atividades humanas, mas de outro modo, as integra, e permite que o homem as faça para a glória de Deus.

  12. R: Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material, e isso é bom pois eles não devem viver exclusivamente para reivindicações temporais. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, é justificável dedicar-se a cultura em tempos de crise. É justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, pois o cristão integra suas atividades naturais para o oferecimento a Deus.

  13. Qualquer atividade natural que não entre em contradição com a glória de Deus é possível ser oferecido a Deus. A onipresença da obediência a Deus na vida do cristão é como a onipresença de Deus no espaço, não exclui outros objetos dela.

  14. R: Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material, e isso é bom pois eles não devem viver exclusivamente para reivindicações temporais. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, é justificável dedicar-se a cultura em tempos de crise. É justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, pois o cristão integra suas atividades naturais para o oferecimento a Deus.

  15. 1: Trabalho intelectual não é mais “espiritual” do que trabalho manual. Os dois são espirituais na mesma condição de poderem ser oferecidos a Deus; 2: Porém, cada pessoa é chamada a dar glória a Deus de uma certa maneira, e nossa condição de vida é provável indicador de nossa vocação; 3: O apetite na mente humana pela busca do conhecimento e da beleza mostra que a vida de estudos é uma possível vocação e caminho para Deus; 4: A busca pelo conhecimento e pela beleza devem ser como que “fins em si mesmo”, e não um caminho para o deleite no próprio talento ou na reputação que nos traz;

  16. Pergunta: Pode-se ser que um apetite se desenvolva por causa de nossa natureza caída?

  17. R: Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material, e isso é bom pois Deus criou o apetite dessa busca na mente humana e a vocação da vida de estudos é um caminho para Deus, para qual algumas pessoas são chamadas para. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, é justificável dedicar-se a cultura em tempos de crise. É justificável dedicar-se a cultura em tempos de paz, pois o cristão integra suas atividades naturais para o oferecimento a Deus.

  18. Há também uma razão utilitária para a vida de estudos: os pagãos e infiéis vão produzir cultura e filosofia, e se cristãos não o fizerem, perderemos a batalha da vida cultural, fazendo que muitas almas sem instrução caiam para o outro lado.

  19. R: Os humanos sempre buscaram e sempre vão buscar a cultura frente a questões mais importantes como a instabilidade material, e isso é bom pois Deus criou o apetite dessa busca na mente humana e a vocação da vida de estudos é um caminho para Deus, para qual algumas pessoas são chamadas para. Além disto, a questão eterna é muito mais importante do que a material, portanto se é justificável dedicar-se à cultura frente às questões eternas (o que é), é justificável dedicar-se à cultura frente a graves questões temporais.

  20. Para algumas pessoas, a vida de estudos é um dever. A guerra não é um tempo mais anormal do que realmente é, e portanto os estudiosos tem que saber lidar com essa situação. Há três inimigos que a guerra levanta:

    1. Empolgação: ocupar os pensamentos com a guerra em vez do trabalho.
    2. Empolgação: ocupar os pensamentos com a guerra em vez do trabalho.
    3. Frustração: acreditar que não teremos tempo para terminar.
    4. Medo: Medo da morte e dor, que a guerra nos força a lembrar.

    Sobre este último ponto, a guerra torna explícita a condição de que somos passageiros neste mundo, e que este mundo não pode ser transformado em uma cidade permanente que satisfaz a alma do homem.